Estou com Gota ou com um Traumatismo? Depois de duas noites má dormidas, devido ao dedão Grande do Pé direito ter gritado toda a noite de dores, meti-me a caminho do Hospital Garcia da Horta , em Almada. Às oito horas e pouco minutos já lá estava. Estavam lá as velhas do costume que nunca sofrem de nada, mas tem cara de quem está a morrer. As cadeiras de rodas com antenas também predominam naquela zona. Os velhos de robe fazem passagem de modelo para as velhas. Os velhos pensam que é um bom local de ataque, porque as velhas estão vulneraveis. E estão certos. Já existiram dezenas de pré-casamentos encontrados na sala das urgências dos Hospitais. Depois ficaram por lá juntinhos numa maca até caírem para o lado. Entrei e fui ao guiché. Toma lá, quase dez euros de inscrição para teres direito em ir para a sala de espera cheia de vírus. O primeiro contacto com os homens de bata foi rápido. “Triagem” dizem eles. Agora é que sei o grande segredo dos hospitais. Tem que ser logo ai que temos que subornar o homem da bata. É ali que se joga o nosso futuro no Hospital. Devia-lhe ter levado um arroz doce ou uma par de meias ou mesmo um pijama da feira para que o homem da bata me tivesse dado a pulseira amarela, mas não, olhou para mim e disse “tem alguma coisa nos bolsos para mim?”, como não compreendi, deu-me uma pulseira verde. Como não pesco nada de hospitais, até me pareceu bem. Pensei “kolll, vai haver bar aberto”, mas afinal era só a pior pulseira que podes ter quando vais a um hospital. Com a pulseira Verde pertences a classe mais reles dos hospitais. És aquele que não interessa, és aquele que eles te vão convencer em desistir, de estar por ali. Sempre disse, desde que tenha um jornal para ler, vou estar contente por estar à espera. Das duas uma, ou o jornal tinha poucas folhas ou esperei muito tempo. Depois de ver velhos, novos, paralíticos, boazonas, cabeçudos e pernetas a entrarem antes de mim e que tinham chegado muito depois, passei-me da marmita. Levantei-me da cadeira onde estava à mais de duas horas e dirigi-me à mulher da bata às riscas. Exigi explicações. Como era possível estar ali à duas horas à espera sem ser chamado? Friamente os olhos da senhora desviaram para o meu pulso. Pensei “ És vesga ou quê?”. “ os meus olhos estão cá em cima”. Ela passados alguns segundos respondeu “O Senhor é verde, pertence a classe reles. Tem que esperar”. Filha do Pai da mãe e de mais umas quantas pessoas. Esperar ainda mais?. Foi-me explicado que enquanto existissem amarelos e outras cores, os verdes teriam que esperar. Este conceito aplica-se bem ao Sporting Clube de Portugal. Resignado, foi outra vez para o mesmo lugar. A cadeirinha até já tinha o formato da minha peidola e ainda estava quentinho. Esperei, esperei, tanto esperei que vi todos os programas da manhã das televisões portuguesas. A gaja do canal 1 continua goazona. Desesperei de novo. Com dificuldade lá consegui sair da cadeira. Estava mesmo coladinho. Dirigi-me de novo à mulher da bata às riscas e perguntei qual era a minha posição de entrada para o médico. Depois de consulta o PC do século passado, informou-me que era o próximo verde a entrar, mas que o anterior verde já estava no hospital à mais de 13 horas. “O quê” pensei eu. Parti a loiça toda. Queria ser amarelo. Comecei a distribuir “fruta” por toda a gente e passados alguns minutos foi recompensado com uma linda fica amarela no meu pulso. Estava todo contente. Tinha subido na hierarquia dos doentes dos hospitais. Até já me sentia melhor. Circulava com o pulso no ar a mostrar o meu troféu. Todos os verdes existentes na sala, olhavam para mim raivosos, cheiros de inveja. Tinha entrado no circulo de doentes importantes. Tinha o ego no máximo e estava radioso. Foi-me numa outra cadeira. Sim, porque a cadeira onde eu estava era da classe reles. Foi-me sentar ao pé dos amarelos. Estava à espera que chamassem brevemente o meu nome. Está quase, sim porque agora eu era um amarelo. Era uma pessoa importante. Os minutos foram passando e alguns amarelos foram chamados. Fiquei pensativo. “Será que existem varias classes de amarelos?”. Eu queria pertencer a classe mais importante dos amarelos. Contactei de novo a mulher da bata às risca, que me disse em tom gélido, você era verde e passou para a amarelo e agora está no fim da lista dos amarelos. Filho do Pai e da Mãe e dos outros familiares todos. Afinal tinha sido demitido de ser Rei dos Verdes, para passar a ser o Pobre dos Amarelos. Sem mais, dirigi-me á primeira porta de saída das urgências do Hospital, fiz um manguito a todos e regressei à minha vida banal com uma dor enorme no dedão grande no pé direito. Estou com Gota ou com um Traumatismo? Nunca saberei , porque só voltarei às urgências de um Hospital quando já estiver morto.
